O
DESENVOLVIMENTO INFANTIL NA PERSPECTIVA SOCIOINTERACIONISTA:
PIAGET, VYGOTSKY e WALLON
Piaget, Vygotsky e Wallon tentaram mostrar que a
capacidade de conhecer e aprender se constrói a partir das trocas estabelecidas
entre o sujeito e o meio. As teorias sociointeracionistas concebem, portanto, o
desenvolvimento infantil como um processo dinâmico, pois as crianças não são
passivas, meras receptoras das informações que estão à sua volta. Através do
contato com seu próprio corpo, com as coisas do seu ambiente, bem como através
da interação com outras crianças e adultos, as crianças vão desenvolvendo a
capacidade afetiva, a sensibilidade e a auto-estima, o raciocínio, o pensamento
e a linguagem. A articulação entre os diferentes níveis de desenvolvimento
(motor, afetivo e cognitivo) não se dá de forma isolada, mas sim de forma
simultânea e integrada.
No entanto, é preciso ter claro que a compreensão de
infância, criança e desenvolvimento tem passado por inúmeras transformações,
principalmente a partir do final do século passado. O avanço de determinadas
áreas do conhecimento como a medicina, a biologia e a psicologia, bem como a
vasta produção das ciências sociais nas últimas décadas (sociologia,
antropologia, pedagogia, etc.) produziram importantes modificações na forma de
pensar e agir em relação à criança pequena.
Devemos considerar que as teorias científicas são
produzidas a partir de certas condições de possibilidade (políticas,
econômicas, culturais) que vão favorecer sua difusão. Tais teorias também podem
sofrer alterações com o passar do tempo. O importante é não entendê-las como
verdades definitivas, pois teorias que se pretendem científicas devem ser
passíveis de questionamentos, sujeitas, portanto, a transformações.
Henri Wallon (1879-1962), médico francês,
desenvolveu vários estudos na área da neurologia, enfatizando a plasticidade do
cérebro. Wallon propôs o estudo integrado do desenvolvimento infantil,
contemplando os aspectos da afetividade, da motricidade e da inteligência. Para
ele, o desenvolvimento da inteligência depende das experiências oferecidas pelo
meio e do grau de apropriação que o sujeito faz delas. Neste sentido, os
aspectos físicos do espaço, as pessoas próximas, a linguagem, bem como os
conhecimentos presentes na cultura contribuem efetivamente para formar o
contexto de desenvolvimento.
Wallon assinala que o desenvolvimento se dá de forma
descontínua, sendo marcado por rupturas e retrocessos. A cada estágio de
desenvolvimento infantil há uma reformulação e não simplesmente uma adição ou
reorganização dos estágios anteriores, ocorrendo também um tipo particular de interação
entre o sujeito e o ambiente:
·
Estágio
impulsivo-emocional (1a ano de vida): nesta
fase predominam nas crianças as relações emocionais com o ambiente. Trata-se de
uma fase de construção do sujeito, em que a atividade cognitiva se acha
indiferenciada da atividade afetiva. Nesta fase vão sendo desenvolvidas as
condições sensório-motoras (olhar, pegar, andar) que permitirão, ao longo do
segundo ano de vida, intensificar a exploração sistemática do ambiente.
·
Estágio
sensório-motor (1 a 3anos, aprox.): ocorre
neste período uma intensa exploração do mundo físico, em que predominam as
relações cognitivas com o meio. A criança desenvolve a inteligência prática e a
capacidade de simbolizar. No final do segundo ano, a fala e a conduta
representativa (função simbólica) confirmam uma nova relação com o real, que
emancipará a inteligência do quadro perceptivo mais imediato. Ou seja, ao
falarmos a palavra "bola", a criança reconhecerá imediatamente do que
se trata, sem que precisemos mostrar o objeto a ela. Dizemos então que ela já
adquiriu a capacidade de simbolizar, sem a necessidade de visualizar o objeto
ou a situação a qual estamos nos referindo.
·
Personalismo (3
a 6anos, aprox.): nesta fase ocorre a
construção da consciência de si, através das interações sociais, dirigindo o
interesse da criança para as pessoas, predominando assim as relações afetivas.
Há uma mistura afetiva e pessoal, que refaz, no plano do pensamento, a
indiferenciação inicial entre inteligência e afetividade.
·
Estágio
categorial (6anos): a criança dirige
seu interesse para o conhecimento e a conquista do mundo exterior, em função do
progresso intelectual que conseguiu conquistar até então. Desta forma, ela
imprime às suas relações com o meio uma maior visibilidade do aspecto
cognitivo.
Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934),
estudioso russo na área de história, literatura, filosofia e psicologia, teve
uma intensa produção teórica, apesar de ter morrido ainda muito jovem. Para
este autor, o funcionamento psicológico estrutura-se a partir das relações
sociais estabelecidas entre o indivíduo e o mundo exterior. Tais relações
ocorrem dentro de um contexto histórico e social, no qual a cultura desempenha
um papel fundamental, fornecendo ao indivíduo os sistemas simbólicos de
representação da realidade. Isto permite construir uma certa ordem e uma
interpretação do mundo real. Desta forma, o desenvolvimento psicológico não
pode ser visto como um processo abstrato, descontextualizado ou universal.
Vygotsky afirma que a relação dos indivíduos com o
mundo não é direta, mas mediada por sistemas simbólicos, em que a linguagem
ocupa um papel central, pois além de possibilitar o intercâmbio entre os
indivíduos, é através dela que o sujeito consegue abstrair e generalizar o
pensamento. Ou seja, "a linguagem
simplifica e generaliza a experiência, ordenando as instâncias do mundo real,
agrupando todas as ocorrências de uma mesma classe de objetos, eventos,
situações, sob uma mesma categoria conceitual cujo significado é compartilhado
pelos usuários dessa linguagem" (Oliveira, 1993, p. 27).
O uso da linguagem como instrumento de pensamento
supõe um processo de internalização da linguagem, que ocorre de forma gradual,
completando-se em fases mais avançadas da aquisição da linguagem. Para
Vygotsky, primeiro a criança utiliza a fala socializada, para se comunicar. Só
mais tarde é que ela passará a usá-la como instrumento de pensamento, com a
função de adaptação social. Entre o discurso socializado e o discurso interior
há a fala egocêntrica, que é utilizada como apoio ao planejamento de sequências
a serem seguidas, auxiliando assim na solução de problemas. Esta é a principal
divergência entre Piaget e Vygotsky. Em Piaget é exatamente ao contrário, isto
é, a fala egocêntrica seria uma transição entre estados mentais individuais
não-verbais, de um lado, e o discurso socializado e o pensamento lógico, de
outro. Tanto para Piaget quanto para Vygotsky, o discurso egocêntrico é
entendido como uma transição, no entanto, entre processos diferentes.
Vygotsky observa que a criança apresenta em seu
processo de desenvolvimento um nível que ele chamou de real e outro potencial. O
nível de desenvolvimento real refere-se a etapas já alcançadas pela
criança, isto é, a coisas que ela já consegue fazer sozinha, sem a ajuda de outras
pessoas. Já o nível de desenvolvimento potencial diz respeito à
capacidade de desempenhar tarefas com a ajuda de outros. Há atividades que a
criança não é capaz de realizar sozinha, mas poderá conseguir caso alguém lhe
dê explicações, demonstrando como fazer. Essa possibilidade de alteração no
desempenho de uma pessoa pela interferência da outra é fundamental em Vygotsky.
Para este autor, a zona de desenvolvimento proximal ou potencial consiste
na distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento
potencial. Cabe à escola fazer a criança avançar na sua compreensão do mundo a
partir do desenvolvimento já consolidado, tendo como meta etapas posteriores,
ainda não alcançadas. O papel do/a professor/a consiste em intervir na zona de
desenvolvimento proximal ou potencial dos/as alunos/as, provocando avanços que
não ocorreriam espontaneamente.
Vygotsky enfatiza a importância do brinquedo e da brincadeira
do faz-de-conta para o
desenvolvimento infantil. Por exemplo, quando a criança coloca várias cadeiras
uma atrás da outra dizendo tratar-se de um trem, percebe-se que ela já é capaz
de simbolizar, pois as cadeiras enfileiradas representam uma realidade ausente,
ajudando a criança a separar objeto de significado. Tal
capacidade representa um passo importante para o desenvolvimento do pensamento,
pois faz com que a criança se desvincule das situações concretas e imediatas
sendo capaz de abstrair.
Para Vygotsky a imitação é uma situação muito
utilizada pelas crianças, porém não deve ser entendida como mera cópia de um
modelo, mas uma reconstrução individual daquilo que é observado nos outros.
Desta forma, é importante salientar que crianças também aprendem com crianças,
em situações informais de aprendizado, por exemplo. É comum vermos o quanto as
crianças aprendem a montar e desmontar brinquedos, ou mesmo a andar de
bicicleta ou de patins, a partir da observação de outros/as colegas.
Jean Piaget (1896-1980), biólogo e
epistemólogo suíço, construiu sua teoria ao longo de mais de 50 anos de
pesquisa. A preocupação central de Piaget era descobrir como se estruturava o
conhecimento. A teoria piagetiana afirma que conhecer significa inserir o
objeto do conhecimento em um determinado sistema de relações, partindo de uma
ação executada sobre o referido objeto. Tal processo envolve, portanto, a
capacidade de organizar, estruturar, entender e posteriormente, com a aquisição
da fala, explicar pensamentos e ações. Desta forma, a inteligência vai-se
aprimorando na medida em que a criança estabelece contato com o mundo,
experimentando-o ativamente. Por exemplo: ao pegar um objeto, o bebê tem
oportunidade de explorar e observar de forma atenta, percebendo suas
propriedades (tamanho, cor, textura, cheiro, etc) e, aos poucos, vai
estabelecendo relações com outros objetos. Tal experiência é fundamental para
seu processo de desenvolvimento. Piaget observa que o desenvolvimento pode ser
compreendido a partir dos seguintes estágios:
Estágio sensório-motor (0 a 2 anos aprox.): esta etapa é caracterizada por atividades físicas que
são dirigidas a objetos e situações externas. Quando a criança adquire a marcha
e a linguagem, as atividades externas desenvolvem uma dimensão interna
importante, pois toda a sua experiência vai sendo representada mentalmente. A
partir da aquisição da linguagem, inicia-se uma socialização efetiva da
inteligência. A criança pequena tem extrema dificuldade em se colocar no ponto
de vista do outro, fato que a impede de estabelecer relações de reciprocidade.
Estágio pré-operacional (por volta dos 2 aos 6, 7 anos):
nesta fase a criança vai construindo a capacidade de efetuar operações
lógico-matemáticas (seriação, classificação). Ela aprende, por exemplo, a
colocar objetos do menor para o maior, a separá-los por tamanho, cor, forma,
etc. Embora a inteligência já seja capaz de empregar símbolos e signos, ainda
lhe falta a reversibilidade, ou seja, a capacidade de pensar simultaneamente o
estado inicial e o estado final de alguma transformação efetuada sobre os
objetos (por exemplo, a ausência de conservação da quantidade quando se passa o
líquido de um copo mais largo para um outro recipiente mais estreito). Tal
reversibilidade será construída nos períodos operatório concreto e formal. A
criança torna-se capaz de desenvolver operações concretas de caráter
infra-lógico, tais como as conservações físicas (conservação de quantidade de
matéria, de peso, de volume) e a constituição do espaço (conservações de
comprimento, superfície, perímetro, horizontais e verticais).
Nos estágios seguintes - operacional concreto
(dos 7 aos 11 anos aprox) e operacional abstraio (12 anos em diante) - a
criança adquire a capacidade de pensar abstratamente, criando teorias e
concepções a respeito do mundo que a cerca.
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